Provérbios 22.6 é garantia que os filhos de pais cristãos nunca se desviarão?

 

Ensina a criança no caminho em que deve andar e, quando for velho, não se desviará dele” (Pv 22.6)

Antes de discutir a aplicação prática desse versículo, devemos examinar cuidadosamente o que ele diz na verdade. A tradução literal do texto hebraico: hannokh lanna’ar é: “ensina, treina o menino” (na’ar refere-se a um jovem, desde sua infância até a maioridade); o verbo hannakh não ocorre em outra passagem do A.T com o sentido de “treinar”. Normalmente significa “dedicar” (consagrar um templo ou uma casa; Dt 20.5; 1Rs 8.63; 2Cr 7.5), ou uma oferta (Nm 7.10). Parece que ele é cognato do egípcio h-n-k (“dar aos deuses, “marcar algo para culto divino”“.). Isso nos leva ao seguinte leque de significados: “dedicar a criança a Deus”, preparar a criança para suas futuras responsabilidades, exercitar ou treinar a criança para a idade adulta.
A seguir, chegamos ao que é traduzido “no caminho em que deve andar”. Literalmente está escrito “de acordo com seu caminho” (al-pî darkhô); al-pî (literalmente, “de acordo com a boca de”) em geral significa “segundo a medida de”, “de conformidade com” ou “de acordo com”. Quanto a darkhô, é a palavra que vem de derekh (“caminho”); isso pode  referir-se ao “costume generalizado de, segundo a natureza de, o modo de agir de, o padrão de comportamento de” uma pessoa.
Parece que o texto implica que o modo de instrução deve ser governado segundo o estágio da vida da própria criança, conforme suas inclinações pessoais, ou então, como as traduções padronizadas mostram, “de acordo com o modo que é próprio à criança” – à luz da vontade de Deus, segundo os padrões de sua comunidade, ou herança cultural.
Neste contexto altamente teológico, centralizado em Deus [(Iavé é o Autor tanto do rico como do pobre vs. 2); “O galardão da humildade e o temor do Senhor são riquezas, honra e vida [v.4]”.], não há duvida de que “no caminho em que deve andar” significa “seu caminho adequado, próprio”, à luz dos objetivos e padrões estabelecidos no verso 4, e tragicamente negligenciados pelo perverso no verso 5. No entanto, também existe uma conotação segundo a qual cada criança deve ser educada e treinada para o serviço de Deus, segundo as necessidades e características da própria infância.
A segunda linha diz: gam ki (“ e ainda quando”) yazqîn (“for velho”) – “zaqen” significa “velho” ou um “ancião”), ló Yasur (“não se desviará”) mim-mennah (“dele”, do seu derek – caminho), que aparentemente fortalece a interpretação de “seu próprio caminho”, “padrão de comportamento”, ou “modo de viver” como homem de Deus bem treinado, ou bom cidadão em sua comunidade.
Tudo isso se resume, pois, num principio geral – e todas as máximas genéricas de Provérbios a respeito da conduta humana têm esse caráter. Provérbios não oferece regras e garantias absolutas para as quais jamais possa haver exceções. Antes, temos ali princípios mostrando que quando um pai piedoso dá a devida atenção à educação de seu filho, para que tenha responsabilidades necessárias, e viva de modo bem ordenado para Deus, tal genitor pode, com toda confiança, esperar que seu filho jamais se afaste do treinamento paterno que recebeu, e do exemplo de um lar em que o nome de Deus é reverenciado. Isso provavelmente ocorrerá a despeito de algum desvio temporário do fim da adolescência. Mesmo ao tornar-se um ancião, essa pessoa não se desviará do caminho em que foi educado. Outra interpretação sobre gam ki significa que a criança permanecerá fiel ao treinamento recebido por toda a sua vida, até à velhice.
                             Conclusão
Será que esse versículo nos fornece uma garantia real, de que todos os descendentes de pais tementes a Deus, conscienciosos, os quais vivem em nobreza de caráter, serão verdadeiros servos de Deus? Porventura, haverá filhos rebeldes, os quais voltarão as costas à educação cristã que receberam, e cairão na culpa e vergonha de uma vida dominada por Satanás? É possível que alguém interprete esse versículo dessa forma. Todavia, é muitíssimo duvidoso que o escritor sagrado inspirado por Deus quisesse estipular uma promessa de caráter absoluto, aplicável em todos os casos. As máximas de Provérbios têm o objetivo de constituir aconselhamento sadio, lógico e útil; não nos são apresentadas como promessas de sucesso infalível.

Pr Marcelo Oliveira

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